quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Branco e Vermelho

Estava tudo calmo, como em todas as outras noite. Alguns aqui, outros ali, esperando o momento de embarcar no veículo comprido que os levaria para onde queriam, ou precisavam, ir.

Então, assim como quem não quer nada, eles chegaram. Gritavam, riam, corriam, vestiam branco e vermelho.

Alguns tomaram água, outros fumavam - um deles veio até mim e pediu o meu para acender o dele -, outros mijavam. Esperaram juntos o mesmo veículo comprido que os levaria para casa.


Quebraram algumas coisas enquanto estavam por lá. Então a condução chegou. Se foram, todos juntos, gritando, rindo, correndo e vestindo branco e vermelho.


Voltarão a gritar, rir, correr e a vestir branco e vermelho novamente.


Quase não havia mulheres entre tantos alterados e animados, orgulhosos de serem homens, felizes porque o Vila ganhou.

domingo, 25 de novembro de 2007

Simpatia



Então, como já está devidamente registrado, a apatia acabou. Ela sempre acaba, e eu sempre acho que ela está demorando muito pra passar.

Não sou bipolar, quem me dera. Essa alteração de estado de espírito acontece com muitos exemplares de minha espécie, o homo urbanos informens.

Agora os ares são outros. Passado saudoso, futuro desejoso.

Aliás, o futuro está me dominando. A possibilidade de vida, do que posso fazer com ela, é tão intensa que me sinto prazerosamente sufocado.




O prazer de viver e de ter vivido já está de volta aos meus redores. Sinto aromas agradáveis, cheiro de vida, cheiro de noite, cheiro de mistério, cheiro de inspiração.

Ouço The Beatles e sinto outra vez vontade de voar.




A vida não é bela, mas está me parecendo mais fácil torná-la menos feia.
Assim é. Até que não seja mais. Não espero.



terça-feira, 13 de novembro de 2007

Apatia

Ultimamente a vida tem seguido assim, um tanto quanto apática.

O futuro não me motiva mais, o passado me parece apenas descartável.

Isso acontece pouco, e dura, quase sempre, pouco.

Mas parece que desta vez essa apatia está demorando a ir embora. Não sei porquê.

Enquanto ela não se vai, eu fico aqui, com esse olhar meio macambúzio, com esse farol baixo, com essas pálpebras meio abertas, meio fechadas, querendo fechar de uma vez.

Não sei o que acontece.

Merda.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O amor! Ah!, o amor, que palhaçada.


Finalmente o sentimento mais comum, ridículo, misterioso e estranho do ser humano se apodera de uma pequena parte de meus confusos pensamentos. Apenas uma pequena parte, estou me esforçando para que se mantenha assim.

Estou apaixonado. Desgraça. Sem correspondência, o que me motivaria a ser um grande escritor romântico, se eu estivesse no século XIX.

Mas estou no século XXI, e certamente nunca sairei dele, pois nem chegarei a ver seu fim.


Estou infeliz com tudo isso. Odeio a paixão, o amor, e coisas do tipo, pelo menos quando o amor e a paixão se destinam à pessoa carnalmente desejada. O amor que sento pelos amigos, por minha família, por mim mesmo e por algumas coisas do mundo, me são muito agradáveis.


Essa paixão, sem correspondência, não é correspondida simplesmente porque quem eu amo não me ama. O alvo da parte da minha mente responsável por esse sentimento idiota é meio inátingível. Em quem penso às vezes durante o dia e com quem já sonhei uma única vez, não sabe quase nada sobre mim, e a recíproca é verdadeira.


Nunca me declararei. Não há essa possibilidade. Eu sei.

Ficaremos, eu e esse sentimentozinho medíocre, em silêncio, até que ele se vá.

Não quero viver sem amar. Quero apenas amar alguém palpável.

Eu sou um idiota.

sábado, 3 de novembro de 2007

Escapando em nome de Marx

Ela é uma pedagoga marxista, trabalha em uma faculdade, um antro de sabedoria. Mas antes trabalhava em um banco, um antro de capital. Já tem mais de 40, cabelos cor de amora. Usa óculos grandes e pesados, pendurados em uma face com fortes traços negros.

Um tanto atrapalhada, não renovou a validade dos documentos de seu carro nem de sua habilitação, e assim conduzia pela cidade "sem mais aquela", a lá Chico Buarque. Até que um belo dia, dirigindo de volta para casa depois de um contestador dia de trabalho e investigações políticas - já rotineiras para ela -, se deparou com uma inescapável blitz, não a banda, uma barreira policial mesmo, instalada temporária e surpreendentemente na rua em que ela sempre passava.

O policial que a parou pediu que ela mostrasse seus documentos e os do carro. Ela pegou-os, devagar, meio vacilante, e entregou-os ao fardado. Ele examinou os papeizinhos (papelzinhos?) coloridos, se afastou, falou com um colega, voltou ao carro e disse a ela:


-- Minha senhora, saia do carro por favor, temos que conversar.


Meia hora depois, estavam todos os policias que trabalhavam na barreira daquele dia sentados no meio-fio, com os braços cruzados por cima de seus joelhos, olhando para ela, atentos, surpresos, e um tanto confusos com o que ela, de pé, no meio da rua, falava em alto e bom som, com sua voz rouca de fumante veterana.

Ela os ensinava o marxismo, a luta de classes, o veneno do neoliberalismo, o ódio aos Estados Unidos da América, a exploração na qual estavam submetidos, a alienação que dominava suas mentes até aquele momento.

Ela falou muito, respondeu a todas as perguntas de seus interlocutores, fumou, pediu café alguma vezes e se foi.

Chegou em casa sem ter multa alguma para pagar.

Ai, que calor!

O calor é grande. Grande e chato. Chato e quente. Quente e demorado.
Suo a testa, as maças do rosto, o peito, as costas. Dá preguiça, impaciência.

Não há vontade para nada.

Não acaba nunca esse calor. Todo dia faz calor, todo dia é dia.

O saco enche, a temperatura sobe, o Sol queima aqui em baixo e eu fico chateado de estar aqui.


Não odeio o Sol, o dia, a alegria. Não gosto é de muito calor, tanto calor, sempre calor.


E a vida segue, comigo suando, todos suando. Usamos desodorante. Mas não trabalhamos em um latifúndio, cortando a cana, colhendo os frutos da lavoura alheia.

Perto dos trabalhadores que fazem isso, meu suor é piada, e esse calor, tanto calor, sempre calor, é a temperatura do trabalho desses homens e mulheres, que nem têm tempo e disposição para se ocuparem em se irritar com o Sol, com esse calor, tanto calor, sempre calor.


Poderia fazer sempre 20°C para os trabalhadores e toda a gente honesta do Brasil, e 52°C para os políticos sujos e mal lavados, mas só para os sujos e mal lavados. Não pequemos pela generalização.


Ai, que calor!