quarta-feira, 17 de junho de 2015

É e não, ou Os votos que te faço

Nada do que se é se perde. Mesmo que pareça, não. A vida, ao que me parece, consiste no exercício diminuto, que parece colossal, de se ser o que se quer ao mesmo tempo em que se é o que se é e ponto.

O que se arrotina é o trânsito entre construir o ser que se será e abraçar com generosidade o é que já está.

Vai que, de tanto receber amor, o é acaba abrindo caminho pro resto que ainda não?

Parece fácil. Mas não é. Só que, de tanto tentar, o querer se materializa e aparece. Até meio com cara de é. E se houver coragem, ele assume o lugar que é dele e o a ser se transforma em é. E depois disso, o é todo, mais cedo ou bem mais cedo, vai te fazer querer outros és que não estão.

É colossal, que parece diminuto.

Tem que ficar esperto.

Tem que ter sangue frio pra deixar o coração quente.

terça-feira, 2 de junho de 2015

João beijou o meu cabelo

Se a gente deixa, a beleza das coisas reverbera bem lá dentro da alma da gente.

Enquanto eu esperava meu ônibus, admirava o Sol caindo lá longe, amarelo, laranjado, enorme, suave, como ele só fica quando é outono. Perdi a vontade de pegar o ônibus e fiquei ali, quietinho, vendo a luz refletir nos prédios, nos asfaltos e nas pessoas e carros e árvores.

E eu fui vendo tudo ficar dourado e amarelo e laranja e bonito demais e eu fechei os olhos um pouquinho como se fosse pra rezar, mas eu não ia, e quando abri os olhos o João chegou do meu lado e abriu o sorriso e abraçou minha cabeça com a mão e deu um beijo no meu cabelo e perguntou se podia se sentar do meu lado e eu disse que sim e ele perguntou se eu tava admirando o Sol e eu tava e ele também tava e ele tava com um tênis que tinha uma estampa de flores e eu disse pra ele o quanto gostava do outono e a gente se concordou e rimos da Sandy imortal com as folhas no quintal e o ônibus dele passou e ele até quis me dar uma carona mas eu fiquei e ele foi.

E aí reverberou o amor que tudo tem e que tudo pode ter. O amor que leva dentro de si a pessoa que dá um beijo na cabeça de quem ela encontra como quem dá um aperto de mão é o amor que ela leva pra fora. Direto, amistoso, sincero e humano demais e eu não ouso não chamar isso de amor. Um amigo que chega por acaso e reforça, mesmo sem saber, a sua fé na ideia de que o amor é a única coisa a se fazer nessa vida não chega por acaso.

Cheguei em casa e vi a Lua subindo, cheia, muito grande. Apaguei todas as luzes e fiquei em pé, encostado na parede, vendo a luz azul dela iluminar meu quarto inteiro. Deu uma coisa boa no peito e até um pouco de medo.

Eu sei que se eu não estiver certo, errado também não.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Uma coisinha ou outra

A vela bonita que comprei pra decorar o quarto.
A roupa de cama nova.
A tarde que passei decorando aquela festinha.
O chocolate.
O creme que passei pra te esperar.
As preces.
Os perfumes.
As viagens.
As pétalas jogadas na mesa.
A pausa pra ir até o quarto sentir o cheiro que você deixou no travesseiro.
As vezes em que pedi gritando.
Os gritos que meus medos abafaram.
Os medos que me ataram.
As amarras que me enfraqueceram.
A voz que me faltou exata.
As carícias no cabelo pra você dormir.
Os abraços.
As faltas.
O sal que adicionei ao molho porque é assim que você diz que gosta.
O sal que comi ao seu lado.
O sal que comi com você.
O sal que comi por você.
O sal é o que me restou.