segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Hard Marcellus

Está realmente difícil ser Marcellus Araújo. Grandes responsabilidades vieram parar nas minhas mãos de repente, e tenho que lidar com pressões da vida adulta que achei que demorariam a chegar. Talvez seja essa a grande deficiência da maioria das pessoas da minha faixa etária, achar que as responsabilidades nunca são tão grandes quanto na verdade são.

As coisas ainda estão a entrar nos eixos. Agora sou editor e repórter, tenho mais coisas a responder, mais pressão da chefia, mais detalhes e consequencias com que me preocupar. Sou estudante de pós-graduação e tenho mais trabalhos a fazer, mais densos, tenho que pesquisar mais, estar mais afiado academicamente falando. E preciso estar devidamente organizado, pra poder conciliar essas coisas com meus amigos, minha família, e com minha ruiva vida sexual. E olha que eu sou moreno hein. Sacou? Hein? Ai ai...

E não acabou. Ainda tem esse blog, que preciso realmente levar mais a sério, tem minhas tatuagens a serem feitas, meus cursos pra aprender a mexer no Photoshop dignamente, a fotografar melhor, tem a coleção de vinis, tem as bandas que eu ainda quero conhecer, os livros que andei comprando e faltou tempo para ler, enfim, mil coisas.

Não fiz o post "23 anos de carreira", pq realmente não tô com toda essa vibe, mas essa semana sai minha gente, eu prometo que juro.

No mais é preciso dizer que, além de eu estar com fome, a viagem do Intercom 2010 foi maravilhosa. Além do Prêmio Expocom Nacional, categoria Revista Impressa, eu trouxe pra casa muitos chocolates de Gramado, a certeza de que Ralyanara Freire será uma grande jornalista, muito conhecimento adquirido, muitas discussãos a perder de lembrar, o prazer de ter conhecido estudantes e professores de comunicação de todos os países do Brasil, de ter comido e bebido muita coisa diferente da nossa goiana rotina, enfim, de ter passado alguns dias longe de Goiânia e ter voltado com uma vontade louca de beijar sua boca e... ops, com uma vontade louca de chegar
na terrinha na qual eu não nasci, mas que aprendi a amar com o tempo.

Agora deixa, deixa, deixa eu dizer o que penso dessa vida. Preciso demais desabafar.
Na verdade foi só pra inserir a letra da música. Eu vou mesmo é almoçar. Porque o tempo urge meus quéridos, e a sapucaí aqui hoje tá grande, muito grande.


O tempo, de Salvador Dali, um dos caras malucos que eu mais admiro, Talvez por ser eu também um maluco.

Hasta siempre. Estou pensando em parar de me despedir nos posts desse jeito. Que acham?

Hasta siempre, ahahahahahahahaha

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Aquela velha sensação e outros devaneios

Por mais que tenhamos entrado há meia hora no dia em que faço aniversário, só é amanhã quando eu acordo. E ainda não fui dormir no dia 14 (que já se foi) pra acordar no dia 15, então, ainda estamos no dia 14.
Eu sou jornalista, tenho compromisso social com a verdade, mas esse blog é meu e eu escrevo o que quiser, então, ainda é dia 14 e pronto.

Sempre tenho, no fim da noite da véspera do meu aniversário, um sentimento estranho. Dá um geladinho na barriga. Não incomoda, é até bom, mas só acontece nessa data. É tipo uma sensação exclusiva do estilo Marcellus de existir.

Fico pensando nas coisas da minha vida, em quem eu sou, no que me transformei, nas pessoas da minha vida, e mais um monte de coisas que vou postar amanhã (dia 15, meu aniversário).

A vida é uma floresta, densa, mas cheirosa. E ao caminhar bastante, desviando de tantas árvores e arbustos chatos, de repente, já cansado, você se depara com uma praia, silenciosa. Tem um gigante sentado a beira-mar, admirando a lua crescente, pensando na própria solidão. Você já a pensar na sua desde que entrou na floresta. E a floresta, já a pensar na falta de você desde que você decidiu se sentar ao lado do gigante. Em silêncio, você espera que volte a luz do dia para procurar o caminho de volta pra casa. Mas a floresta apagou seus rastros. O gigante não pode ajudar. Ele não conhece outra parte qualquer do mundo além da praia e da floresta. E pormais que ele seja gigante, à sua frente só há horizonte, e às suas costas, floresta.

O Gigante, pintado por Goya em 1818.

Hasta siempre.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Diário de bordo

Minha gente, venho por meio deste post anunciar que estou em viagem ao sul do Brasil. Mais precisamente em Caxias do Sul e Farroupilha, cidades do Rio Grande do Sul.

Estou por aqui para participar do Prêmio Expocom 2010, etapa nacional, que acontece dentro do Intercom, o congresso anual da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.

Participo da disputa pelo prêmio nacional com a apresentação do trabalho de TCC que fiz com a minha amiga e também jornalista Nathalya Toaliari. A Revista Guariroba! E só estou aqui concorrendo ao nacional porque ganhamos a etapa regional. Vou representar Goiás, eu, Nathalya, Goiânia e minha faculdade no congresso no dia 5.

Depois conto como foi, se a apresentação foi legal ou não, e todos os detalhes ainda por transbordar e acontecer.

Por enquanto, preciso contar a vocês toda a nossa trajetória de vinda a RS, que fiz e estou a fazer na doce e nem tão falante companhia de Ralyanara Freire, estudante de Jornalismo e futura (competentíssima) colega de profissão.

Vale registrar que enquanto escrevo, estou ouvindo repetidas vezes House of the Rising Sun, do The Animals. Anos 60 e a velha nostalgia abismal de tempos que não vivi, por ter eu apenas 22 anos.

Enfim, vamos aos relatos.

Saímos de Goiânia às 23 horas do dia primeiro de setembro. Chegamos em Brasília ás 3h30 da madrugada do dia 2. pegamos um táxi e fomos até o aeroporto. Esperamos por longuíssimas SETE horas, até que nosso vôo saísse logo. Enquanto esperávamos, fumamos, conversamos sobre o futuro principalmente, e encontramos um sujeito que calçava um chinelo amarelo no pé esquedo e do direito o par, um chinelo vermelho.

Entramos na aeronave que nos levou até Campinas-SP, onde fizemos conexão até Porto Alegre. Chegamos em Campinas pouco depois do meio-dia e já entramos no vôo para o destino final. Pousamos em Porto Alegre às 15h30. Esperamos mais um pouco, até que o ônibus da Intercom nos trouxesse até Farroupilha, onde estamos hospedadinhos em um simples, mas limpo e aconchegante hotel.

Chegamos no hotel já de noite, acompanhados por uma fraca e constante chuva, e um friozinho cínico. Nos arranjamos no quarto e fomos atrás de comida e álcool. Perguntamos pra moça da recepção onde encontrar comida fácil e perto. Ela indicou uma pizzaria na rua de cima.

De cima meeeesmo, porque a gente subiu uma ladeira tão ingrime que nem sei.
Chegamos ao lugar, pedimos uma cerveja. O garçom indicou uma cerva da região, chamada Serra Malte, forte, cremosa, uma delícia. Para acompanhar, pedimos uma pizza de picanha, isso mesmo, picanha. Que maravilha, puta que pariu. Junto com a pizza, eles servem uma salada, com tomates, alface, milhos pequenos, de conserva, fatias de palmito de palmeira real, que são muito grossos e saborosos, pepinos também pequenos e cebolinhas. Tudo muito gostoso, e bem explicado pelo garçom, que disse pra gente estar cursando Direito em Farroupilha.

Chegamos de volta ao hotel e eu comecei a escrever isto. É pena que esqueci de levar a máquina, pra tirar foto do rango possante, pra complementar o blog.

Na falta de foto da comida, uma foto do pessoal da mítica banda The Animals, que muito colaborou, postumamente, para este texto.


Aguardem mais relatos desemocionantes da viagem!

Hasta siempre.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Ai que vergonha

Lá estava eu, numa mesa cretina, de um bar mais cretino ainda, ao lado de um velho e querido amigo. Discutíamos amor, profissão, política, corpos suculentos e sedentos por sexo, mães, roupas e música.
Esse meu amigo levou ao bar um cara, amigo dele, que eu conhecia pouco, e por quem eu nunca alimentara qualquer tipo de consideração. Não que já o tivesse repudiado, mas o sujeito me era totalmente indiferente.
Conversa vai, conversa vem, conversa foge, conversa entra, conversa sai, fomos, eu e o amigo do meu amigo, entendendo um ao outro. Sintonia paulatina sabe? Pois é. Já tinha passado a ver o cara com outros olhos, ou melhor, tinha passado a vê-lo.
Conversávamos sobre política, música, e sexo. Até ele, o cara, soltar a seguinte frase:
"Li isso no seu blog. Eu leio sempre."
E eu, em toda a minha vaidade e auto-estima oscilante, imprecisa e indecisa, acendi um cigarro e disse, tentando fazer cara de paisagem:
"Mesmo? Que bom. Obrigado por acompanhar."
Aí, depois que a sensação de ser jornalista-inteligente-que-tem-blog-com-leitores-fiéis passou, deu vergonha. Vergonha por sempre protelar uma atenção periódica e digna pra isso aqui que você tá acessando e lendo agora. Vergonha por deixar que as pessoas que sempre entram no blog pra ler algo novo, encontrem o mesmo post de DOIS MESES atrás. Vergonha por não me esforçar para escrever aqui sempre mais e melhor, pois sei que fazendo uma forcinha, sai coisa boa, dispensando totalmente a falsa modéstia.
É isso. Em meio a tantas promessas de cuidar melhor do blog, quem acompanha sabe quantas já foram, dessa vez eu tô falando sério. Vou deixar de ser safado e desrespeitoso com meus cativos leitores.
A seguir, um monte de fotos que transmitem a sensação de vergonha, de bichos bacaninhas e fofos, que dão vontade falar "oowwwnnnnn", mas a que gente segura essa vontade louca, pra não ficar dando pinta de viado na redação.

Ooooowwwwwwnnnnnn!

Ooooowwwwwwnnnnnn!

Ooooowwwwwwnnnnnn!

Ooooowwwwwwnnnnnn!


Hasta siempre.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O poder dos clássicos

Encontrei numa de minhas vasculhadas cotidianas pela 'internê'.
Achei tão legalzinho que não resisti em postar.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Brasil, ame-o... na Copa

Em um trajeto despretensioso, ligeiro e casual pelas ruas de Goiânia, de aproximadamente 20 minutos de duração, faltando apenas quatro dias para Copa do Mundo, a equipe de reportagem de Ensaios Registrados detectou dezoito, isso mesmo, DEZOITO carros com aquelas bandeiras do Brasil amarradas no capô. A manifestação sintomática do nacionalismo falso e boçal que ataca os brasileiros mais alegres e medíocres nessas épocas de nossas vidas.
Além do mais, aquilo é de um mau gosto indescritível minha gente. E é todo tipo de carro: do pessoal que trabalha pra viver (classes C, D, e Z) ao pessoal que vive pra trabalhar (classes A e B)

'Mas o cavalo, convenhamos!' - Piada interna e restrita ao meu círculo íntimo de amizades, desculpa por te deixar fora do entendimento do período, até porque nem tem ligação com o conteúdo deste post. Ai, que metalinguagem é essa? Como dizem meus novos chefes: enfim, mil coisas.

Incrível como em tempos de Copa (de cu é rola) todo mundo ama o Brasil incondicionalmente, fica afetado por um sentimento ufanista, de paixão incontida pela pátria mãe gentil.
Haja saco para aguentar por um longuíssimo mês essa balela das bocas que exaltam a beleza e a força do país. Depois que a Copa (de cu é rola) passa, esquecem que o país é legal, principalmente se a seleção brasileira não vence o torneio.

Porque, afinal de contas, o Brasil, o brasileiro, funciona mesmo é por temporadas.
Hasta siempre.


P.S.: Qual a razão pra eu ter me dado ao trabalho de escrever isso depois de tanto tempo sem uma postagem? Tinha que ser um assunto tão chato desses? MQN né? Melhor que nada.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Eu sou mais um cara

Humanos são seres inteligentes que habitam o planeta Terra há cerca de dez mil anos.
Não sei se estou certo, e estou com preguiça de abrir outra aba pra pesquisar esse dado. Se estiver errado, foda-se.
Então... os humanos, seres inteligentes. Sei...
Sabe, Deus criou o homem... Sei...
E Deus, através do Espírito Santo, inspirou os homens, para que eles escrevessem na Bíblia... Sei...
E em 1 Coríntio, capítulo 6, versículos de 9 a 11 diz que os efeminados não herdarão o Reino dos Ceús... Sei...

Bom, para um doce e curioso menino católico gay de 13 anos, ler isso na Bíblia - o livro em que ele mais confia, o qual ele usa diariamente para se instruir diante da vida terrena - confunde, choca, dá medo, muito medo, todo o medo do mundo.
Medo de ir para o inferno, de ter o fígado devorado por Lúcifer todos os dias, eternamente.
Medo de fugir desesperadamente por todo o sempre dos anjos mais terríveis de Mefisto.
Medo de morrer, e viver o resto da vida sabendo que a condenação é certa.
O terror de saber que, pelo lido na Palavra do Senhor, sua morada eterna é o mundo do maldito Satanás, por algo incontrolável que não se escolhe, a orientação sexual homossexual.

Assim, do medo surge a negação do menino.
Ele, depois de ficar neorótico e macambúzio por semanas a fio, começa a pensar que se Deus o nega por ser gay, ele também nega Deus. E vira Ateu.
Logo ele se arrepende de negar o Senhor. Arrepende-se e tenta controlar seu instinto sexual.
Tenta esquecer diariamente que gosta na verdade de homem, não de mulher. Mas para não desagradar a Deus ele faz o que pode para se iludir. Fica com meninas, dá seu primeiro beijo em uma garota, vai ficando com mulheres. E de noite, quando ninguém está por perto, ele entra em sites de pornografia gay para se masturbar. O que ele pode fazer? Está confuso e degenerado pelo embate pscológico, tadinho.
Enfim, ele vive uma vida que não é dele. E acredita que será infeliz até morrer, por ter que satisfazer a sociedade, e mutilar-se internamente.

Quando fica maior, já com uns 16, 17 anos, vai ficando maluco com essa coisa de não poder fazer o que quer. De não poder se relacionar sexualmente com outros homens, vários homens, muitos homens, todos os homens que conseguir; viver um grande amor, romântico, com outro garoto.

Cansado, na verdade exausto, ele decide que não dá mais. Assume para si mesmo a sexualidade, processo difícil, mas gratificante. De Deus o garoto já esqueceu há muito tempo. Deixou o Carrasco Divino lá atrás, com o medo que sentia. Ele já não existe. Matou Deus, viu que ele era tão malvado quando o Demônio, e que, se maldade por maldade os dois eram o caminho errado, as forças simplesmente se anulam.

Conta para o irmão que é gay, para a mãe, para os amigos. Não há mais segredos. Ele agora está livre. E resolveu enfrentar o mundo. Ninguém iria diminuí-lo por isso. Havia chegado ao fim a submissão social a qual o garoto estava rendido.

Mas o garoto, que agora já é um adulto, pensa de vez em quando numa coisa que deixa ele bem puto. Igrejas.
O slogan das igrejas neopentecostais blasfema "Deus é Amor".
No discurso dos pastores, geralmente mal alfabetizados e com péssimo gosto para combinar camisa e gravata, reside a contradição. Se Deus é amor, por que cargas d'água então ele condena a homossexualidade?
Gays não amam? Não são filhos do mesmo Deus que fez os tão queridos héteros? Qual a diferença?
Não se escolhe ser ou não ser gay.

Até mesmo porque se o nosso protagonista bem lembra, já admirava homens pela televisão desde muito pequenino. E quando o casal da novela dava um beijo romântico, era para o moço que ele olhava, e era no lugar da moça que ele imaginava estar.
Talvez seja por isso que ele gostava tanto de ver novelas quando moleque. Tadinho.

Então, os pastores burros e bregas. Eles, do alto de seus altares, com seus microfones, gritam a todo momento que rapazes que amam rapazes estão sob o governo de Baphomet. Que ser gay é contra as Leis de Deus, que políticos que formulam e aprovam legislações favoráveis aos direitos das pessoas homossexuais são políticos do mal, do capeta. Gritam, revoltados, que se eles não quiserem contratar um funcionário gay estão ferrados. Tadinhos.
Falam isso, de várias formas, vociferam as verdades simples e ordinárias constantemente para um monte cada vez maior de indivíduos sem percepção, vazios, que buscam Deus por estarem cansados da falta de sentido em suas vidas cretinas, que acreditam em tudo o que o pastor fala.
E esses indivíduos, um a um, espalham o que aprendeu na igreja para o vizinho, para a prima, para o irmão, para os amigos, parao caralho de asa. E a coisa vai piorando.

E do lado do garoto gay? O que tem?
Tem uma militância gay preconceituosa em seu interior. Não generalizando, obviamente. É um tal de gay que não gosta de lésbica, lésbica que não gosta de bicha pintosa, bicha que não gosta de travesti, travesti que não gosta de sapatão. Aí o consenso vai embora. A união, a força, vão por água abaixo.

E o nosso protagonista fica sem saber o que fazer. Sem gangue pra entrar. Tadinho.

Mas ele tem um argumento que julga ser poderoso: "Tá achando ruim eu ser gay? Feio? Acha que eu sou safado por causa disso? Acha que eu sou só um cu porque gosto de homem? Não quer mais ser meu amiguinho porque eu gosto de transar com rapazes? Vai pro raio que o parta, seu idiota, cretino, burro, falso moralista."

Nosso garoto não fala isso nunca, só quando é provocado.
Sabe, ele é um cara tranquilo. Quer apenas ver chegar o dia em que poderá caminhar dentro do supermercado de mãos dadas com seu marido sem chamar atenção por isso.
Ele é gente fina. Gosta de estudar, de beber cerveja com os amigos, de ouvir música, de ir pra cidade onde moram seus pais e irmãos, de ver filmes, de andar pela rua a noite conversando, de ouvir as pessoas, de limpar o garda-roupa, de trabalhar a noite, de fotografar (apesar de não ser tão bom nisso), de escrever, de cozinhar um pouco, de comer macarrão e legumes (apesar de não ser vegetariano), de comidas amargas, de coca-cola, de cigarros, de história da arte, de Beatles, e da vida.
Mas ele gosta mesmo é de blasfemar contra Deus, esse Deus estranho, pregado por gente mais estranha ainda, que simplesmente não existe.
Se Deus existe, o garoto acha que ele não gosta nada desse modo como seus filhos o vêem.
São os protestantes que vão pro inferno. As bichas vão lotar o Paraíso. Um luxo só!

Entremos na vibe de amar e deixar os outros amarem em paz.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Casamento pós-moderno

Sou um homem casado.
Tenho um casamento igual ao de tantos outros casais que existem pelo mundo.
Mas temos, eu e minha esposa, algumas coisas em nossa relação que nunca notei em outros pares.
A gente se ama.
Eu fumo os cigarros dela. Mas devo dizer que ela fuma bem mais dos meus.
Ela, na maioria das vezes, gosta dos meus amigos, e eu, na maioria das vezes, gosto dos amigos dela.
Ela fica com outros caras, e eu não ligo. Até acho bom. Eu fico com alguns caras, e ela não liga. Até acha bom.
Quando ligo pra ela, falo o que quero falar. Quando ela me liga, antes de mais nada, pergunta onde eu estou, com quem e fazendo o quê.
Saímos quase sempre juntos. Gostamos de beber cerveja e conversar com nossos amigos atravessando a noite.
Não brigamos por causa de música. Ela gosta de MPB, de rock, de samba e de bossa. Exatamente nessa ordem. Eu, na minha ordem, gosto de rock, bossa, samba e MPB. Mas não excluímos outros gêneros, apenas não são tão rotineiros.
Quando saímos, ela dá palpites assertivos no que visto, e eu, sugiro sutilmente o que ficaria melhor pra ela.
Quando fico desempregado, ela, como toa boa esposa, aconselha-me a arrumar um emprego.
Quando ela fica desesperada com o emprego que tem, eu, como todo bom marido, sugiro, também sutilmente, que ela peça demissão.
Não temos filhos, nem pretendemos ter. Sabe, não somos exemplos de conduta pra ninguém, e somos individualistas o bastante para nos entregarmos a mais uma pessoa.
Eu manisfesto de vez em quando a vontade de ser pai. Mas ela logo faz a idéia dissolver em meio aos discursos alarmantes e aflitos que ela sempre profere.
Quando nos casamos, ela era gorda. Depois de quase quatro anos de casamento, ela está magra. Está mais bonita que nunca.
Quando nos casamos, eu pesava 54 quilos. Depois de quase quatro anos de casamento, estou quatro anos mais velho.
Ela não gosta muito da minha barba.
Eu não gosto muito do jeito como ela se comporta quando está irritada.
Vivemos relativamente bem, e muita coisa que ela fala, entra por um ouvido e sai por outro. A recíproca é verdadeira.
Nós não transamos. Nunca o fizemos. Acho que temos um pouco de nojo um do outro.
Somos tão iguais no azar de sermos casamos, que nosso aniversário de casamento é 6 de agosto, o mês dos maus agoros.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A velha estúpida

Não sei como nem quando exatamente ela apareceu. Estava em minha vida e quando percebi, ela já me acompanhava há tempos incertos.Não me incomodava tanto inicialmente, pois nunca me pedia favor algum. Mas era feia. Velha, muito velha.
E era chata. Também não sei dizer quando ela ficou assim, ou se já esteve ao meu lado sem manifestar a chatice. Penso que ficou chata com a idade.
Nunca ficava por perto quando eu estava com outra pessoa. Bastava eu ficar sozinho pra ela se aproximar, com seus passos arrastados, irritantes. Sentava-se ao meu lado com dificuldade. Não falava. Eu sim, muito. Nunca tive certeza se ela realmente me ouvia ou se apenas fingia. Ela nunca reagiu aos meus desabafos e confissões.
Ela falava apenas perto de mim. Mas não diretamente comigo. Não fazia monólogos pelos cantos, sozinha. mas se eu chegasse perto, ou se percebesse minha presença, começava a reclamar. E o fazia de todo o gosto, com a maior rabugice que alguém pode expressar. Era muito estúpida mesmo. E burra. Não gostava de música.
Outro dia, não sei bem a quanto tempo exatamente, uma semana, um mês no máximo. Recolhi todos os lençóis em uso na casa e coloquei-os na lavadora. Enquanto a máquina trabalhava por mim, fui até o quarto, liguei a TV e assistia o jornal. Adormeci.
Quando acordei, percebi o silêncio. Os lençóis estavam limpos.
Fui até a cozinha. Bebi um pouco de água, pra poder fumar um cigarro.
Já tendo fumado, comecei a pegar os lençóis e estendê-los no varal.
A velha estava no quintal. Não saia do lugar, observava meu trabalho sem sequer oferecer ajuda.
Coloquei alguns no varal, entrei para pegar mais na máquina. Eram muitos.
Ela gemeu. Caiu. Tentou se apoiar num dos lençóis estendidos. Não adiantou.Agonizava. Fitava minha face quieta. Eu observava. Encarou-me com aqueles olhos castanhos arregalados, com a expressão desesperada.
Agonizou mais uma vez e faleceu.Entrei em casa, peguei o resto dos panos e terminei de colocá-los no varal, para que pudessem secar.
Fui até a defunta. Olhava de cima seu corpo morto, velho. Estava lá, deitada de barriga pra cima. A mão direita no chão havia arranhado o piso do quintal. Tinha sujeira enbaixo das unhas. Deixou pequenas marcas no chão, Afastei-me um pouco. Chutei sua barriga. O corpo balançou. Chutei mais uma vez aquela barriga grandiosa. A velha soltou um pum. Agia repulsivamente até depois de morta.
O lençol no qual ela se apoiou estava no chão. Um lençol limpo no chão do quintal. Como pode ser tão descuidada com a roupa limpa?
Peguei-o e sacudi bastante, pra tirar a sujeita. Por sorte não estava sujo. Arrumei-o no varal, como estava antes.Voltei minha atenção para o esquife outra vez. Fiquei de joelhos, bem perto dela. Peguei a cabeça pelos cabelos, segurei com firmeza. Bati contra o cimento do quintal. Bati até me cansar. Como não sou forte, a cebaça ficou com uma pequena rachadura. Nem chegou a escorrer sangue algum.
A boca dela estava meio aberta. Abri mais, todo o possível. Tentei enfiar a minha mão naquela boca horrenda. Não consegui enfiar tudo. Era uma boca pequena.
Levantei-me do chão. Peguei suas mãos e começei a arrastar o corpo para fora de casa. Levei-o até a lixeira da calçada. O trajeto longo de cimento ralou o corpo da velha bastante. Sangrou um pouco.
Com certa dificuldade eu coloquei o cadáver junto com os sacos de lixo. Sentei-me na calçada, não muito perto da lixeira fedorenta. Esperei a tarde toda, até que o caminhão do lixo passasse. Um dos rapazes que recolhe o lixo pegou tudo, deixou a velha por último. Gritando, chamou um colega, que veio ajudá-lo a pegar aquele monte de carne velha e por no caminhão. O caminhão seguiu. Quando virou a esquina, entrei em casa.
Fui até o varal. Os lençóis estavam secos. Recolhi tudo. Enquanto dobrava os panos, notei a única herança que a velha havia me deixado.
O maldito lençol no qual ela se apoiou para não cair, estava rasgado. Um estrago enorme. Era o único cor de laranja que eu tinha, fazia parte de um jogo. Não havia o que fazer. Joguei no lixo.
No dia seguinte, os meninos do caminhão de lixo recolheram o lençol também.
Deve ter ido parar no mesmo lixão que a velha.
Depois desse dia, sempre que vou me deitar, um pensamento me incomoda.
O que faço agora com as fronhas cor de laranja?