quinta-feira, 11 de março de 2010

Eu sou mais um cara

Humanos são seres inteligentes que habitam o planeta Terra há cerca de dez mil anos.
Não sei se estou certo, e estou com preguiça de abrir outra aba pra pesquisar esse dado. Se estiver errado, foda-se.
Então... os humanos, seres inteligentes. Sei...
Sabe, Deus criou o homem... Sei...
E Deus, através do Espírito Santo, inspirou os homens, para que eles escrevessem na Bíblia... Sei...
E em 1 Coríntio, capítulo 6, versículos de 9 a 11 diz que os efeminados não herdarão o Reino dos Ceús... Sei...

Bom, para um doce e curioso menino católico gay de 13 anos, ler isso na Bíblia - o livro em que ele mais confia, o qual ele usa diariamente para se instruir diante da vida terrena - confunde, choca, dá medo, muito medo, todo o medo do mundo.
Medo de ir para o inferno, de ter o fígado devorado por Lúcifer todos os dias, eternamente.
Medo de fugir desesperadamente por todo o sempre dos anjos mais terríveis de Mefisto.
Medo de morrer, e viver o resto da vida sabendo que a condenação é certa.
O terror de saber que, pelo lido na Palavra do Senhor, sua morada eterna é o mundo do maldito Satanás, por algo incontrolável que não se escolhe, a orientação sexual homossexual.

Assim, do medo surge a negação do menino.
Ele, depois de ficar neorótico e macambúzio por semanas a fio, começa a pensar que se Deus o nega por ser gay, ele também nega Deus. E vira Ateu.
Logo ele se arrepende de negar o Senhor. Arrepende-se e tenta controlar seu instinto sexual.
Tenta esquecer diariamente que gosta na verdade de homem, não de mulher. Mas para não desagradar a Deus ele faz o que pode para se iludir. Fica com meninas, dá seu primeiro beijo em uma garota, vai ficando com mulheres. E de noite, quando ninguém está por perto, ele entra em sites de pornografia gay para se masturbar. O que ele pode fazer? Está confuso e degenerado pelo embate pscológico, tadinho.
Enfim, ele vive uma vida que não é dele. E acredita que será infeliz até morrer, por ter que satisfazer a sociedade, e mutilar-se internamente.

Quando fica maior, já com uns 16, 17 anos, vai ficando maluco com essa coisa de não poder fazer o que quer. De não poder se relacionar sexualmente com outros homens, vários homens, muitos homens, todos os homens que conseguir; viver um grande amor, romântico, com outro garoto.

Cansado, na verdade exausto, ele decide que não dá mais. Assume para si mesmo a sexualidade, processo difícil, mas gratificante. De Deus o garoto já esqueceu há muito tempo. Deixou o Carrasco Divino lá atrás, com o medo que sentia. Ele já não existe. Matou Deus, viu que ele era tão malvado quando o Demônio, e que, se maldade por maldade os dois eram o caminho errado, as forças simplesmente se anulam.

Conta para o irmão que é gay, para a mãe, para os amigos. Não há mais segredos. Ele agora está livre. E resolveu enfrentar o mundo. Ninguém iria diminuí-lo por isso. Havia chegado ao fim a submissão social a qual o garoto estava rendido.

Mas o garoto, que agora já é um adulto, pensa de vez em quando numa coisa que deixa ele bem puto. Igrejas.
O slogan das igrejas neopentecostais blasfema "Deus é Amor".
No discurso dos pastores, geralmente mal alfabetizados e com péssimo gosto para combinar camisa e gravata, reside a contradição. Se Deus é amor, por que cargas d'água então ele condena a homossexualidade?
Gays não amam? Não são filhos do mesmo Deus que fez os tão queridos héteros? Qual a diferença?
Não se escolhe ser ou não ser gay.

Até mesmo porque se o nosso protagonista bem lembra, já admirava homens pela televisão desde muito pequenino. E quando o casal da novela dava um beijo romântico, era para o moço que ele olhava, e era no lugar da moça que ele imaginava estar.
Talvez seja por isso que ele gostava tanto de ver novelas quando moleque. Tadinho.

Então, os pastores burros e bregas. Eles, do alto de seus altares, com seus microfones, gritam a todo momento que rapazes que amam rapazes estão sob o governo de Baphomet. Que ser gay é contra as Leis de Deus, que políticos que formulam e aprovam legislações favoráveis aos direitos das pessoas homossexuais são políticos do mal, do capeta. Gritam, revoltados, que se eles não quiserem contratar um funcionário gay estão ferrados. Tadinhos.
Falam isso, de várias formas, vociferam as verdades simples e ordinárias constantemente para um monte cada vez maior de indivíduos sem percepção, vazios, que buscam Deus por estarem cansados da falta de sentido em suas vidas cretinas, que acreditam em tudo o que o pastor fala.
E esses indivíduos, um a um, espalham o que aprendeu na igreja para o vizinho, para a prima, para o irmão, para os amigos, parao caralho de asa. E a coisa vai piorando.

E do lado do garoto gay? O que tem?
Tem uma militância gay preconceituosa em seu interior. Não generalizando, obviamente. É um tal de gay que não gosta de lésbica, lésbica que não gosta de bicha pintosa, bicha que não gosta de travesti, travesti que não gosta de sapatão. Aí o consenso vai embora. A união, a força, vão por água abaixo.

E o nosso protagonista fica sem saber o que fazer. Sem gangue pra entrar. Tadinho.

Mas ele tem um argumento que julga ser poderoso: "Tá achando ruim eu ser gay? Feio? Acha que eu sou safado por causa disso? Acha que eu sou só um cu porque gosto de homem? Não quer mais ser meu amiguinho porque eu gosto de transar com rapazes? Vai pro raio que o parta, seu idiota, cretino, burro, falso moralista."

Nosso garoto não fala isso nunca, só quando é provocado.
Sabe, ele é um cara tranquilo. Quer apenas ver chegar o dia em que poderá caminhar dentro do supermercado de mãos dadas com seu marido sem chamar atenção por isso.
Ele é gente fina. Gosta de estudar, de beber cerveja com os amigos, de ouvir música, de ir pra cidade onde moram seus pais e irmãos, de ver filmes, de andar pela rua a noite conversando, de ouvir as pessoas, de limpar o garda-roupa, de trabalhar a noite, de fotografar (apesar de não ser tão bom nisso), de escrever, de cozinhar um pouco, de comer macarrão e legumes (apesar de não ser vegetariano), de comidas amargas, de coca-cola, de cigarros, de história da arte, de Beatles, e da vida.
Mas ele gosta mesmo é de blasfemar contra Deus, esse Deus estranho, pregado por gente mais estranha ainda, que simplesmente não existe.
Se Deus existe, o garoto acha que ele não gosta nada desse modo como seus filhos o vêem.
São os protestantes que vão pro inferno. As bichas vão lotar o Paraíso. Um luxo só!

Entremos na vibe de amar e deixar os outros amarem em paz.